sexta-feira, 11 de abril de 2014

Sobre como reencontrei Minas Gerais - Nos cafundó lá pras banda dos Andes


Estive dois dias em Junin de los Andes, uma cidade bem pequena perto da cordilheira, um pouco a norte de Bariloche, posta no mapa mais pelo posicionamento na 'Ruta de los Lagos' que por qualquer outra coisa. Depois de descansar um par de dias resolvi continuar a andar para alguma parte diferente, escolhi o lago 'Huechulafquen', um lago tão comprido quanto o nome, como próximo destino.

Duas caronas e 10km de caminhada depois estava na parte menos recorrida do lago, fora de temporada, em um camping perdido na patagônia. Procurava temperaturas baixas em oposição às altas que estou acostumado no Brasil, as encontrei próximas de zero, procurava afastamento do mundo, fiquei dois dias em uma área onde uma pessoa por quilômetro quadrado é muita coisa.

O lugar não cabia nas fotos. Quando o tempo abria se viam os picos nevados da cordilheira, havia o lago enorme com suas praias de cascalho e ventos fortíssimos, a vegetação era totalmente diferente das florestas tropicais que vi toda a vida, e assim a Patagônia com sua paisagem completamente nova me recebia de peito aberto.

O caseiro que cuidava do camping me olhou com um pouco de estranheza - nenhuma pessoa de bom senso costuma acampar com esse clima - mas me recebeu com palavras amigáveis. Pouco vi ele nos dois dias seguintes, parecia um típico homem do campo, simples e prático. O lugar era um sítio, com macieiras, pereiras, vacas, ovelhas e galinhas. Ficaria mais tempo lá se não fosse a mudança no clima que se tornou demasiado chuvoso, frio e com vento além do que seria sensato enfrentar.

Por sorte naquele dia em que houve a mudança no clima a dona do camping viria para trocar de lugar com o caseiro e este iria embora em um táxi - única maneira comercial de sair daquele lugar onde nem ônibus chegava - e combinamos de dividir o transporte. Desmontada a barraca e feita a mochila fui convidado a esperar o táxi dentro de sua casa.

Era uma habitação de um cômodo, paredes feitas de madeira, móveis gastos e inúmeros penduricalhos nas paredes. Serras, machados, artesanatos, fotos antigas de família e surpreendentemente um relógio de parede dourado de desenho incomum idêntico ao que havia na casa de minha avó. Um gato branco e cinza caminhava em torno da calefação se acomodando ora em um sofá, ora em uma poltrona, e ficava receoso quando me notava lhe observando.

Estava literalmente a milhares de quilômetros de casa, separado de Itajubá por meses de viagens e fronteiras geográficas, entretanto sentia que aquele cômodo era extremamente familiar. Logo apareceu a dona do camping, uma senhora simpática de cerca de cinquenta anos, ofereceu-me um mate (no Brasil chamamos de 'chimarrão') e puxou uma conversa perguntando um pouco sobre o Brasil e sobre a minha viagem. Logo falamos sobre o café brasileiro e ela ouviu feliz que eu vinha de uma região produtora onde o encontrava bom e fresco. A senhora logo ofereceu-me um pão com uma fatia de queijo caseiro, o qual me desvendou a revelação dita no título: era queijo mineiro.

O queijo era muito similar, senão idêntico, ao que eu conhecia como o regionalíssimo queijo 'mineiro'.

José - assim se chamava o caseiro - logo voltou e sentou-se numa cadeira, também chegou um guarda florestal que aparentemente estava familiarizado com a casa e logo a conversa se diluiu em outros assuntos antes que eu pudesse manifestar minha observação. Lá fora caía um chuvisco fraco constante e a noite começou a chegar. Em alguma hora alguém havia ligado um rádio e logo tive outro susto, estava aproveitando uma música ambiente que não poderia ser mais familiar: era sertanejo. Não, não estou falando da deturpação recente do gênero, mas do ritmo raiz, moda de viola, Tião Carreiro e Pardinho, etc. Era o clássico das rádios AM da minha região cantado em castellano.

Aquilo era demais, não uma, mas duas músicas seguidas me surpreenderam, na primeira brecha que tive na conversa perguntei como chamavam aquele ritmo e me responderam que chamavam de ritmos folclóricos. Sim, uma pesquisa posterior me fez saber que esse tipo de canção, à base de violão, voz forte, contando histórias sobre o campo com um pontilhado de fundo, estava espalhado por muitas mais regiões do continente.

Na hora seguinte durante a espera pelo transporte minha mente vagou por comparações inevitáveis. No lugar do tradicional café-da-visita vinha o mate, a hospitalidade interiorana era evidente, a calefação antiga do cômodo deixava o cheiro de carvão a lenha no ar, a conversa - que aqui chamam de charla - era a prosa do mineiro. A casa simples, um galo cantando, o pomar, era uma 'roça' que poderia ser usada pelo dicionário na definição da palavra. Me sentir mais em Minas do que isso era impossível.

O táxi chegou. Um pouco mais tarde do que deveria mas ainda com tempo para o motorista juntar-se para prosear um pouco. Fomos quando a noite já havia descido e cheguei de volta à cidade para dar check-in em um hostel. Internet, living-room, TV a cabo, viajantes, um alemão, uma israelense e outros tantos de outros cantos. Subitamente estava de volta à estrada no intervalo de um parágrafo.

Voltando a essa história de mochilão, caronas, datas e lugares, e segurando as saudades de casa, paro um pouco para pensar (e escrever) sobre aquele fim de tarde em que estive de volta ao 'interior de Minas'. Mas ao menos agora me conforta o saber de que o 'interior' que conheço e amo tanto na verdade é uma parte menor de um grande bairro rural que se espalha pela América Latina, feito de tanta roça espalhada com tanto José comendo queijo e olhando a galinha ciscando no quintal, que nenhuma geografia pode limitar.